Fragmentos

Apanhou a beata acesa do chão, deu uma passa e pendurou-se no eléctrico que haveria de cruzar as colinas de Lisboa para o levar até ao seu trabalho. Manuel tinha doze anos e calçava uns sapatos dois números acima do seu. Era uma fortuna poder proteger agora os seus pés que em muitos invernos descalços atravessaram a serra de Arga para que na escola primária comum conseguisse tirar a 4ª classe que Deus tem.

Chegado à taberna, onde labutava, serviu o vinho morangueiro em malgas – tal e qual como no seu berde Minho – aos clientes provindos na maioria da sua aldeia natal. O ambiente da tasca tresandava a carapaus de escabeche de há três dias e os ovos cozidos trajados de vermelho equilibravam-se em pé como soldados numa parada feita de sal sem qualquer segredo de Colombo. Naquele dia, porém, teve um bafejo de sorte porque um par de “bifes” entrara no estabelecimento e conseguiu cobrar o dobro dos tostões que valiam as sandes de presunto e as duas garrafas de laranjada: no final do mês, já podia mandar mais qualquer coisita à sua mãezinha.

Esta é parte da infância que o Manuel nunca teve.
Esta é parte da história duma infância que Manuel nunca alimentou.
Fazem-me falta todas as histórias que nunca ouvi…
 
Yellow Mcgregor Jul2010
 
Imagem de autor desconhecido retirada da net. Créditos inscritos na própria imagem (?).

Comentários

  1. Mais um bonito texto, com alma, diga-se..

    1 beijinho

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  2. Hoje é a minha vez de comentar: A capacidade de criar histórias de imaginar alimenta-nos a vida. Obrigada

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