Gosto muito de ti
Gosto muito de ti!
A espera estava a ser longa. Já tinha examinado cirurgicamente cada pormenor da arte sacra ali exposta enquanto ansiava por ti junto ao altar-mor daquela antiga capela onde sempre sonharas casar. Como estarás tu hoje? Como será o teu vestido, o teu véu? São coisas de somenos, bem sei, mas os nervos que se apossaram de mim conduziram-me para detalhes que outrora negligenciava. Importante agora era saber quando tu chegarias. E se tivesses mudado de ideias?
Gosto muito de ti!
De repente, um frenesim espevitou os presentes e um sussurro crescente varreu de ponta a ponta aquele local sagrado.
Ao rufar do meu coração rompeste resplandecente o clarão etéreo que me ofuscava. Quando os reflexos do sol pararam de me encandear consegui visualizar-te em todo o teu esplendor. Estavas linda ali à porta. Linda como sempre! Pouco a pouco, de passo curto, caminhavas na minha direcção. Passos leves, passos graciosos, como que passeando sobre nuvens. Vinhas só. O teu pai falecera poucos anos antes e eu sei o quão doloroso está a ser para ti não o ter ali ao teu lado, de braço dado. Talvez por isso, uma pequena e fina lágrima escorre-te pelo rosto, embora impotente para abalar a beleza e a quietude do teu rosto.
Gosto muito de ti!
Terei sido trucidado pela emoção mas realmente a cerimónia esgotou-se num simples estalar de dedos. E era isso que eu precisava também: dum estalar de dedos que me certificasse que não estava a sonhar.
Chegou, então, o momento das fotos:
- "Agora só os noivos. Os pais e padrinhos que se afastem". - Retirei-me mecanicamente como soldado disciplinado à voz do general das películas.
(Gosto muito de ti! Mas… eu não te amo… Consegues compreender? Só que eu… eu não queria perder a tua amizade. Nunca!).
… A festa já ia longa. Na pista de dança improvisada arrastavam-se, ainda, meia dúzia de casais. Saí e fui até ao alpendre para fumar o puro oferecido pelo noivo enquanto lá dentro a banda contratada se entretinha a assassinar a canção dos Per7ume com a participação do Rui (Veloso):
"… a foto onde eu nãooooo eentrei…"
Yellow McGregor, Dezembro de 2009
Não acredito que tenha sido uma escolha sábia, mas cada um é que sabe de si :)
ResponderEliminarBeijo bom xxxx
Por vezes é importante abrir a caixa de pandora.
ResponderEliminarGosto muito de ti, pá! ;)
A escolha do protagonista da estória limitou-se a... responder afirmativamente ao convite para ser padrinho :-)
ResponderEliminarAbre-se a caixa, soltam-se os demónios... e depois, quem os atura? :-)
ResponderEliminarNós. Quem está connosco. Quem gosta efectivamente de nós, claro! ;)
ResponderEliminarBonito texto, mas triste.
ResponderEliminarAs mais belas histórias e canções de amor terão sempre o seu lado triste ;-)
ResponderEliminarObrigado pela visita, "S.".
Incrível, como me fizeste voar para o meu passado e reviver um momento meu, muito meu e muito semelhante a este, só que era eu que estava a casar e quem eu amava de verdade, por quem me cheguei a divorciar tempos depois, estava atrás de mim, sentado como convidado e aparece em cada uma das fotos que me tiraram enquanto estive no altar, como um par que nunca o chegou a ser, de facto. Incrível...mesmo, chega a ser surreal teres escrito algo que eu nunca tive a coragem de fazer.
ResponderEliminarBeijocas nossas ;)
P.S. - Ao contrário de ti, eu comento posts teus do passado, desculpa pela invasão...
A vida é irónica. Mas todos nós teremos os nossos fantasmas do passado.
EliminarMuito obrigado por este tão corajoso testemunho.
:-)
P.S. Eu não disse exatamente que não comentava post passados ;-)
Bem... essa situação é bem pior. Foi preciso coragem para ir ao casamento, e ainda por cima ser padrinho? Haja coragem...
ResponderEliminarMuita coragem... mas na ficção tudo pode acontecer ;-) :-)
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